TRATAMENTO ENDOVASCULAR DE ANEURISMAS CEREBRAIS ROTOS À LUZ DA MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIA

Dr. Leonardo de Deus da Silva

CRM-SP 95975

Neurologia Vascular e Neurorradiologia Intervencionista

Membro do grupo Neurovascular e médico responsável pelo Serviço de Neurorradiologia Intervencionista do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Médico responsável pelo Serviço de Neurorradiologia Intervencionista do Hospital Celso Pierro da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP)

Alumni Fellow em Neurorradiologia Intervencionista da University of Ottawa, Ottawa, Canada

Membro da SBNRDT e WFITN


Análise do estudo ISAT e seus desdobramentos

O International Subarachnoid Aneurysm Trial (ISAT) foi um grande estudo multicêntrico, prospectivo, randomizado, que comparou a eficácia e segurança do tratamento endovascular com coils com o tratamento cirúrgico convencional. O estudo começou em 1994, sendo os primeiros resultados publicados no The Lancet em 2002 e os resultados da análise dos dados de 10 anos foram publicados no novamente no The Lancet em Setembro de 2005. Os 2143 foram predominantemente recrutados em Hospitais do Reino Unido, com contribuições significativas também da América do Norte e Europa.

Este estudo foi delineado baseado na seguinte pergunta: O tratamento endovascular pode reduzir a incidência de óbitos ou de incapacidade física (definida pelos escores de 3 a 6 na escala de Rankin modificada (mRS)) em 25% ou mais no período de 1 ano em paciente com aneurismas intracranianos rotos passíveis tanto de tratamento endovascular como de tratamento cirúrgico convencional? Dos 2143 pacientes do estudo, 1070 foram randomizados para o tratamento endovascular enquanto 1073 foram randomizados para tratamento cirúrgico. O recrutamento foi terminado prematuramente em decorrência de uma análise preliminar que constatou uma diferença significativa entre os grupos, com uma maior proporção de dependência física e óbito no grupo de pacientes alocados para tratamento cirúrgico (31% x 24%). Essa diferença demonstra uma redução absoluta de risco de 7.4% (95% CI 3.6-11.2, p=0.0001) a favor do tratamento endovascular. Este estudo também avaliou sobrevivência e desfechos clínicos tardios através da revisão de prontuários médicos, causas de morte e entrevistas por correio enviadas anualmente. A vantagem do tratamento endovascular sobre o tratamento cirúrgico se manteve até a última revisão de uma média de 9 anos, com uma diferença estatisticamente significativa (p=0.03). O risco de epilepsia secundária foi também muito maior no grupo cirúrgico. A única desvantagem do grupo tratado por via endovascular foi em relação a recanalização do aneurisma, tendo sido necessária nova intervenção endovascular em 191 dos 1096 pacientes embolizados (17,4%) enquanto no grupo cirúrgico uma nova cirurgia foi realizada em 39 dos 1012 inicialmente clipados (3,8%). Em 87 pacientes do grupo endovascular, essa nova intervenção foi realizada após 3 meses do procedimento inicial, sendo considerada reintervenção tardia, o que contribuiu para uma frequência 6,9 vezes maior de novo tratamento no grupo endovascular. Esse fato está de acordo com os princípios básicos de uma intervenção endovascular aguda que tem como finalidade proteger o paciente de um eventual ressangramento precoce, mesmo que não seja possível a exclusão definitiva da lesão. Os dados de ressangramento em 1 ano pós-tratamento demonstram isso, já que nesse estudo foi evidenciada hemorragia nesse período em apenas 7 pacientes embolizados e em 2 pacientes tratados cirurgicamente, configurando uma incidência muito baixa. Além disso, nenhuma incapacidade permanente foi reportada no grupo submetido ao retratamento endovascular, demonstrando que uma nova intervenção tardia não tem impacto negativo sobre a incapacidade física e/ou mortalidade. Outro fato a se considerara foi que angiografias de controle pós-tratamento foram realizadas em 88% dos pacientes tratados por via endovascular enquanto no grupo cirúrgico esse controle só foi realizado em 46% dos pacientes.

Em 2009 foram publicados na Lancet Neurology os resultados de longo-prazo. O acompanhamento anual foi realizado por um mínimo de 6 anos e um máximos de 14 anos com uma média de 9 anos. Houve ressangramento em 24 pacientes durante esse período de acompanhamento, sendo que 13 foram do aneurisma tratado incialmente, 4 de um aneurisma pré-existente e 6 de novos aneurismas. Dos 13 aneurismas inicialmente tratados que ressangraram, 10 foram no grupo endovascular e 3 no grupo cirúrgico (log rank p=0.06 by intention-to-treat analysis). Em 5 anos 11% (112 de 1046) dos pacientes do grupo endovascular e 14% (144 de1041) dos pacientes do grupo neurocirúrgico haviam morrido (log-rank p=0.03), configurando um risco de morte em 5 anos significativamente menor no grupo endovascular. (relative risk 0.77, 95% CI 0.61-0.98; p=0.03). Já a proporção de pacientes fisicamente independentes foi semelhante nos 2 grupos sendo de 83% no grupo endovascular e 82% no grupo neurocirúrgico.

Várias outras análises secundárias foram realizadas com os dados desse estudo e alguns pontos são interessantes considerar. A idade do paciente é um deles, sendo o benefício da técnica endovascular maior em pacientes acima de 40 anos, já que em pacientes mais jovens há uma maior chance de recanalização. Entretanto, é passível de discussão o fato de que esses dados foram obtidos em um estudo que só utilizou coils com dispositivo de embolização, quando atualmente novos dispositivos e técnicas endovasculares podem trazer melhores resultados em relação a taxas de recanalização e retratamento. Estudos mais recentes, como o Cerecyte (5.5%) e o HELPS (3%), demonstram frequência de recanalização significativamente menor. Outro ponto controverso é a localização do aneurisma. Alguns grupos extrapolaram os resultados do ISAT no sentido de achar um benefício maior do tratamento cirúrgico em aneurismas de localização específica. Aneurismas da bifurcação da cerebral média são os mais questionados já que a abordagem cirúrgica para esta lesão é mais direta e tecnicamente menos complicada e este grupo particular foi sub-representado em números no estudo. É importante ressaltar que esses aneurismas podem ser tecnicamente mais apropriados para tratamento cirúrgico do que endovascular, entretanto um dos critérios do ISAT era randomizar pacientes com aneurismas que podiam ser “igualmente” tratados tanto por um método quanto por outro, sendo provavelmente este um dos motivos de uma sub-representação destes aneurismas no estudo. Sendo assim, para estes aneurismas em particular, deve prevalecer o julgamento coerente na escolha do método, já que em mãos experientes a cirurgia pode resultar em melhor desfecho. Esse maior benefício da cirurgia pode também ser antecipado naqueles pacientes com hematomas intracranianos associados ou múltiplos aneurismas que podem ser tratados na mesma craniotomia. Algumas das questões e críticas que surgiram o longo do ISAT e de seus desdobramentos devem ser objeto de análise na segunda parte deste estudo que encontra-se em fase inicial.

Portanto, à luz da medicina baseada em evidências, o tratamento endovascular deve ser considerado como preferencial nos aneurismas rotos julgados como passíveis tanto de tratamento endovascular como de tratamento cirúrgico, já que a primeira modalidade oferece menos risco imediato em relação à incapacidade física e mortalidade precoce (Classe I; nível de evidência C). Essa recomendação encontra-se publicada nos mais recentes guidelines de tratamento da hemorragia subaracnóidea da American Heart Association. Essa é a conduta mais utilizada em centro dos Estados Unidos da América e também da Europa. Por esse motivo, em uma situação de um aneurisma roto, é recomendável que um neurointervencionista seja sempre consultado sobre a indicação de um eventual procedimento endovascular terapêutico e que tanto a indicação do profissional quanto a decisão do paciente ou seu responsável sejam devidamente registradas em um termo de consentimento informado.

Referências:

Molyneux A, Kerr R, Stratton I, Sandercock P, Clarke M, Shrimpton J, Holman R: International Subarachnoid Aneurysm Trial (ISAT) of neurosurgical clipping versus endovascular coiling in 2143 patients with ruptured intracranial aneurysms: a randomised trial. Lancet 2002,360:1267–1274.

Molyneux AJ, Kerr RS, Yu LM, Clarke M, Sneade M, Yarnold JA, Sandercock P: International subarachnoid aneurysm trial (ISAT) of neurosurgical clipping versus endovascular coiling in 2143 patients with ruptured intracranial aneurysms: a randomised comparison of effects on survival, dependency, seizures, rebleeding, subgroups, and aneurysm occlusion. Lancet 2005, 366:809–817.

Molyneux AJ, Kerr RS, Birks J, Ramzi N, Yarnold J, Sneade M: Rischmiller J for the ISAT Collaborators: Risk of recurrent subarachnoid haemorrhage, death, or dependence and standardised mortality ratios after clipping or coiling of an intracranial aneurysm in the International Subarachnoid Aneurysm Trial (ISAT): long-term follow-up. Lancet Neurol 2009, 8:427–433.

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Connolly ES Jr, Rabinstein AA, Carhuapoma JR, Derdeyn CP, Dion J, Higashida RT, Hoh BL, Kirkness CJ, Naidech AM, Ogilvy CS, Patel AB, Thompson BG,Vespa P; American Heart Association Stroke Council; Council on Cardiovascular Radiology and Intervention; Council on Cardiovascular Nursing; Council on Cardiovascular Surgery and Anesthesia; Council on Clinical Cardiology. Guidelines for the management of aneurysmal subarachnoid hemorrhage: a guideline for healthcare professional from the American Heart Association / American Stroke Association. Stroke. 2012 Jun;43(6):1711-37.


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