Francisco José Mont’Alverne – Neurorradiologista Intervencionista – Hospital Geral de Fortaleza
Os guidelines da American Heart Association foram publicados em 2018 sendo um dos pontos principais a definição de trombectomia mecânica (TM) em janela estendida de até 16h como nível 1ª de forma que não fazer é erro médico e de 16 a 24 horas como nível 2ª. Os estudos que validaram a TM foram o DAWN coordenado por Raul Nogueira (N Engl J Med 2018; 378:11-21e o DEFUSE 3 coordenado por Greg Albers (N Engl J Med 2018; 378:708-718) realizando a seleção de pacientes pro meio de técnicas avançadas de Neuroimagem de perfusão através do software RAPID. O RAPID é uma ferramenta automatizada de análise que fornece pro meio de volumes médios em ml a quantidade de cérebro em sofrimento irreversível (core isquêmico) mesmo com reperfusão bem como o volume de cérebro em sofrimento reversível (penumbra isquêmica) caso se obtenha reperfusão. O core isquêmico é definido como uma redução do fluxo cerebral abaixo de 30 % (CBF < 30 %) relativamente ao hemisfério contralateral. A área de penumbra é definida como um tempo para o pico de contraste chegar ao cérebro (Tmax > 6s). Esses parâmetros principais são oferecidos de forma quantitativa (ml de cérebro afetado) e qualitativa de forma visual desenhando-se em rosa o cérebro com core isquêmico irreversível e m verde a área de penumbra.
Efetivamente quando selecionamos os pacientes através do RAPID, temos mais segurança na interpretação do core isquêmico e da penumbra isquêmica, e, sobretudo, se utilizarmos os critérios do DAWN e do DEFUSE 3, teremos maior probabilidade de desfecho clínico favorável. Mas existem alguns pontos que precisam ser colocados em perspectivas:
1) VIÉS DA SUPERSELEÇÃO: o programa tende a superselecionar pacientes sobretudo nos parâmetros acima mencionados, de foram que pacientes potencialmente poderiam ser beneficiados da TM são excluídos .
2) ACURÁCIA: a perfusão realiza uma avaliação hemodinâmica do cérebro assim quando houver um recrutamento tardio de colaterais com cérebro isquemiados teremos falso-negativos em que existe um grande core isquêmico (CBF < 30 %) não identificado pela perfusão (fluxo normalizado por colaterais recrutadas tardiamente). Por outro lado na fase hiperaguda, podemos ter o ghost brain em que não houve ainda recrutamento de colaterais mas não há ainda isquemia irreversível, sendo que a técnica de perfusão vai identificar uma área extensa com CBF < 30 % (fluxo reduzido por colaterais não recrutadas) porém sem tempo suficiente ainda para levar a irreversibilidade da lesão. Razão pela qual a perfusão NÃO pode ser avaliada isoladamente sem levar em consideração a análise estrutural do cérebro me busca de sinais de isquemia (hipodensidade na TC e restrição na difusão na RM). 3) TEMPO É CEREBRO: A aquisição e processamento das imagens de perfusão leva a um tempo adicional no workup de imagem o que pode ser potencialmente deletério. Em máquinas de 64 detectores são necessárias duas aquisições para que se cubra pelo menos 16 cm do cérebro (mínimo desejável). Outro ponto fundamental é que o servidor que processará as imagens deve ter uma alta performance (mínima de ...) e deve ser destinado exclusivamente para esse fim, outrossim, podem levar até 7 minutos. 4) DISPONIBILIDADE: Atualmente no Brasil poucos centros dispões do RAPID e todos envolvidos em pesquisa clínica. Neste sentido a disponibilidade do software no país hoje é praticamente inexistente, salvo em rede pública e em ambientes de pesquisa, o que dificulta o acesso bem como a familiaridade dos profissionais (Neurologistas, Neurorradiologistas e radiologistas) envolvidos não atendimento no AVC. Como fazer um by-pass para essa situação? Os AVCI de hora incerta não podem ser tratados no Brasil? Para responder essa pergunta convém visitar o artigo: “Selection Paradigms for Large Vessel Occlusion Acute Ischemic Stroke Endovascular Therapy” (Cerebrovasc Dis 2017;44:277–284) escrito pelo time capitaneado pelo Professor Raul Nogueira de Atlanta. Nesse artigo o autor analisa retrospectivamente OS CASO DE TROMBECTOMIA e com oclusão de grande vaso serviço utilizando 6 estratégias de seleção: 1) Estratégia 1: Mismatch por perfusão do estudo SWIFT PRIME (PIM1) a. Core isquêmico por CTP: ≤50 mL; b. Volume de hipoperfusão severa (Tmax >10 s) <100 mL; c. Mismatch CTP Mismatch (Tmax >6 s – core) ≥15 mL e razão >1.8.
2) Estratégia 2: Mismatch por perfusão do estudo DEFUSE – 3 (PIM2)
a. Core isquêmico por CTP: <70 mL;
b. Mismatch CTP Mismatch (Tmax >6 s – core) ≥15 mL e razão >1.8.
3) Estratégia 3: Mismatch clinico-imaginógico do estudo DAWN (CCM1)
a. NIHSS ≥10 e core <31 mL (e idade <80 anos);
b. NIHSS ≥20 e core <51 mL (e idade <80 anos);
c. NIHSS ≥10 e core <21 mL (e idade ≥80 anos).
4) Estratégia 4: Mismatch clinico-imaginógico versão 2 (CCM2)
a. NIHSS ≥10 e core <46 mL (e idade <80 anos);
b. NIHSS ≥20 e core <71 mL (e idade <80 anos);
c. NIHSS ≥10 e core <31 mL (e idade ≥80 anos).
5) Estratégia 5: Mismatch clínico-imaginológico usando o ASPECTS e idade (CAM1)
a.NIHSS ≥10 e ASPECTS 8–10 (e idade <80 anos);
b. NIHSS ≥20 e ASPECTS 6–8 (e idade <80 anos);
c. NIHSS ≥10 e ASPECTS 9–10 (e idade ≥80 anos)
6) Estratégia 6: Mismatch clínico-imaginológico usando o ASPECTS (CAM 2)
a. NIHSS > 10
b. ASPECTS >= 6
Como conclusões desse artigo os autores identificaram entre outras:
1) Pacientes com NIHSS > 10, PIM exclui mais pacientes da TM sem acrescentar melhores prognósticos nem reduzir mortalidade.
2) CCM melhora a seleção combinando uma alta taxa de inclusão e uma discriminação de prognóstico entre pacientes incluídos e excluídos.
3) As estratégias mismatch clínico-imaginológico com ASPECTS (CAM 1 e 2) ou com perfusão (CCM 1 e 2) são superiores as estratégias de PIM.
4) O CAM 2 por ser simples e inclusivo deve ser o método de seleção preferencial, assegurando a facilidade de seu uso na prática clínica.
5) As estratégias de seleção que incluem a idade (CAM 1, CCM1 e 2) são superiores as que não incluem a idade como : CAM 2 e PIM.
Nesse diapasão, podemos seguramente incluir pacientes com janela incerta ou estendida até 24 horas se usarmos o conceitos de mismatch clínico-radiológico pelo ASPECTS (CAM1 e 2), sendo a condição ideal os critérios CCM 1 e 2, como apresentados nos guidelines, para os centros que dispõe de perfusão.
No caso específico do AVCI até 8 horas o trinômio NIHSS> 6 + TC (ASPECTS 6) + AngioTC com oclusão de grade vaso é suficiente para se identificar o paciente candidato a TM. Então less is more!
A questão que se coloca é de saber se poderíamos encaminhar apenas com TC todos os pacientes com NIHSS 10 diretamente para hemodidâmica, como os cardiologistas… cenas para um próximo artigo.