HEMORRAGIA SUBARACNÓIDE COM ANGIOGRAFIA INICIAL NORMAL

Dr. Keven Ponte

Fellowship em Neurorradiologista pela Universidade de Caen – França

Neurorradiologista da Santa Casa de Sobral


A hemorragia subaracnóide (HSA) espontânea é uma forma de accidente vascular encefálico hemorrágico que acomete em sua maioria indivíduos jovens e esta associada a altas taxas de morbimortalidade. O atendimento inicial da HSA concentra-se na investigação e tratamento da causa da hemorragia, evitando assim o principal responsável pelo desfecho ruim nesta fase que é o ressangramento.

Afastada a hipótese de traumatismo, na grande maioria dos casos, a causa da HSA é a ruptura de um aneurisma intracraniano, identificado na angiografia cerebral. Entretanto, em cerca de 15% dos pacientes, a angiografia inicial é normal, e a origem do sangramento é desconhecida (Alén et al, 2003). Estes últimos compõem então o grupo das “HSA com angiografia inicial normal” ou “HSA criptogênicas”, cujo atendimento ulterior empenha-se a investigar um aneurisma oculto não vizualizado no primeiro exame angiográfico ou identificar uma causa não-aneurismática da HSA.

A conduta mais defendida na literatura nos casos de HSA criptogênica é a repetição da angiografia cerebral de subtração, o que permite a identificação posteriormente da causa da hemorragia em cerca de 17% (2-24%) dos casos (Andaluz & Zuccarello, 2008). As principais explicações para o resultado falso-negativo da angiografia inicial são: técnica inadequada (p.ex., projeções insuficientes); vasoespasmo da artéria parental; aneurisma de tamanho muito reduzido (microaneurismas); trombose do colo do aneurisma ou de todo o saco; obliteração do aneurisma pela pressão exercida por um hematoma adjacente; ou destruição do aneurisma no momento da hemorragia (van Gijn & Rinkel, 2001; Kang et al, 2009; Little et al, 2007) ( FIGURA 1).

Figura 1. A. TC mostrando HSA cisternal classica Fisher III (não-perimesencefalica). B. Primeira angiografia considerada normal. C. Segunda angiografia realizada 7 dias depois revelou aneurisma Blister-like da carotida supraclinoidea. D. Angiografia 3D confirmou presença do aneurisma. (Cortesia Prof. Courtheoux).

Em mais detalhes, o manejo da HSA criptogênica é na verdade orientado pelo padrão da distribuição do sangue na tomografia inicial. Assim, a HSA criptogênica é dividida em dois grupos principais cuja etiologia e prognóstico são extremamente diferentes: 1) a HSA perimesencefálica (2/3 dos casos de HSA criptogênica e 10% do total das HSA espontâneas); e 2) HSA não-perimesencefálica com padrão aneurismático.

A HSA perimesencefálica (HSAp) é classicamente definida como um sangramento restrito às cisternas em torno do mesencéfalo (cisternas interpeduncular, crural, ambiente e/ou quadrigêmea) e com angiografia cerebral normal (van Gijn et al, 1985). Com frequência, a hemorragia extende-se caudamente à cisterna prepontina, mas raramente prolonga-se em direção cranial, sendo limitada pela membrana de Liliequist (FIGURA 2). Dadas as evidências na literatura a favor de uma origem venosa do sangramento e o curso tipicamente benigno, alguns autores defendem uma conduta menos agressiva para os casos de HSAp, opondo-se à repetição da angiografia ou defendendo mesmo a realização de uma única angio-TC no lugar da angiografia inicial (Ruigrok et al, 2002).

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FIGURA 2. TC mostrando típico aspecto da HSA perimesencefalica, que teve teve angiografia cerebral dos 6 vasos normal.

Contudo, até 10% dos aneurismas da circulação posterior podem apresentar um padrão tomográfico compativel com HSAp, e esta constitui um diagnostico de exclusão, estabelecido após uma investigação angiográfica acurada (Alén et al, 2003; Andaluz & Zuccarello, 2008). Além disso, a distribuição típica do sangramento na TC somente pode ser considerada se este exame tiver sido realizado precocemente (< 72h do inicio dos sintomas), visto que o aspecto tomográfico pode se modificar com o tempo à medida que o LCR é depurado (Schwartz & Solomon, 1996).

Por outro lado, as HSA não-perimesencefálicas (HSAnp) correspondem às HSA criptogênicas sem o padrão típico de HSAp. Nestes casos, as chances de um aneurisma arterial oculto são expressivas, com taxas de ressangramento, vasoespasmo e hidrocefalia significativamente maiores. Estes pacientes necessitam de um manejo idêntico à HSA aneurismática clássica e uma investigação angiográfica ulterior sistemática, por vezes, repetida 2 ou 3 vezes (Andaluz & Zuccarello, 2008).

Até o momento, ainda não existem recomendações oficiais com respeito ao seguimento diagnóstico dos casos de HSA criptogênica. Nos trabalhos publicados mais recentemente, uma segunda angiografia foi realizada no intervalo de 7 a 14 dias da instalação dos sintomas. Delgado Almandoz et al. (2012), por exemplo, num estudo prospectivo incluindo 34 pacientes com HSAnp e 29 com HSAp, realizaram uma segunda angiografia 7 dias apos o início do quadro, o que conduziu à descoberta de uma alteração vascular cerebral em 3 pacientes (4,2%; 2 HSAnp e 1 HSAp). Uma terceira angiografia realizada com 3 meses não revelou nenhuma outra alteração nos demais pacientes.

A repetição da angiografia parece particularmente necessária quando há persistência de vasoespasmo cerebral associado à HSA, ou em caso de constatação de pequenas anomalias da parede ao nivel dos segmentos mais distais da carótida, que podem indicar a presença de um aneurisma tipo blister. Este exame permite ainda de identificar causas vasculares mais raras de HSA não aneurismáticas (< 5%) incluindo dissecção arterial, MAV cerebral ou medular, fístula arterio-venosa craniana, vasculite cerebral e trombose de seio.

Apesar das investigações complementares, a maioria dos casos de HSAnp não serão explicados no entanto pela ruptura de um aneurisma intracraniano ou outra malformação vascular visível na angiografia, e outras etiologias devem ser investigadas como: tumor cerebral, cavernoma, apoplexia pituitária, uso abusivo de cocaina, coagulopatias etc. (van Gijn & Rinkel, 2001). Assim, a RMN encefálica (T1, T2, difusão, FLAIR, T2*, angio-RM TOF e T1 com contraste), RMN medular (T2 e T1 com contraste) e os exames laboratoriais (coagulograma, VS, PCR) são ferramentas a serem consideradas na avaliação diagnóstica destes pacientes (Little et al, 2007).

Duas outras situações devem ainda ser consideradas separadamente e embora não apresentem as características da HSAp na TC, não devem ser inclusas no grupo das HSAnp com padrão aneurismático: 1) HSA com TC normal e PL positiva (Fisher I); e 2) HSA da convexidade (Little et al, 2007). A primeira está associada a menores índices de falso-negativo na angiografia, embora possa representar um quadro de HSA aneurismática de diagnóstico tardio, e a segunda constitui uma forma com etiologias específicas (trombose venosa cortical, síndrome de leucoencefalopatia posterior reversível, angiopatia amiloide, síndrome da vasocontrição cerebral reversível etc.) (Kumar et al, 2010) (FIGURA 3).


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